
Tomou de si um afago tímido, tremulante até, e o suspendeu no alto, enquanto pensava quem poderia receber o que já se desfazia no ar, sob a marquise descascada da esquina.
Perto, uma ambulância com a porta traseira aberta, à espera sabe-se lá de quem.
Olhou, sem muito fixar, a maca lá dentro.
O cobertor dobrado.
E continuou, porque não seria ele a parar naquele ponto, espiando a exposição da vaga para uma dor alheia - ou não, pois aquela ambulância poderia estar em perfeito descanso, aberta assim só para arejar.
Era um dia quente, disso tinha certeza, e mais certeza teria se cumprisse até o fim o que estava a fazer naquele instante: entrava no quarto, ligava o ventilador, despia-se, deitava, morria para o mundo como um mouro que desfalece em sua tenda no deserto, enfim...
João Gilberto Noll, "Mouro".